terça-feira, 16 de outubro de 2012

A construção do "ser criança"

        Ser criança é ser amado, educado, protegido. É brincar de amarelinha, de bola e de boneca. É ouvir histórias. E vivê-las, no mais fantástico faz de conta, que reina na infância e se esvai aos poucos, até que paramos de nos impressionar com as coisas e a realidade crua substitui o mundo imaginário. Tristemente, essa visão é inserida de forma precoce na vida de muitos brasileirinhos: o seu "ser criança" é roubado pela violência, pelo abuso sexual, pelo trabalho infantil, pelo abandono.
         A desconstrução do "ser criança" começa com a violência. E a mais expressiva é a doméstica. Os responsáveis por zelar pela educação e pelo bem-estar são, paradoxalmente, os principais responsáveis por tornar a infância uma fase de traumas. Isso é ratificado pelas estatísticas: de acordo com dados da Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 80 % das agressões contra jovens brasileiros de 5 a 17 anos são provocadas por parentes próximos. É um percentual alarmante, que deixa marcas muitas vezes irreparáveis. Marcas roxas nos bracinhos frágeis, marcas psicológicas de uma infância sem carinho e sem atenção, marcas deixadas por uma sociedade que não sabe cultivar o "ser criança", que não sabe se preparar para um futuro melhor. A esse cenário deplorável soma-se a violência sexual - dentro e fora do meio familiar. Os casos de brasileirinhos submetidos à prostituição, ao abuso e ao turismo sexual constituem uma problemática vergonhosa, que exige diversas medidas por parte do Estado e da sociedade.
         A desconstrução continua com trabalho infantil. Ele vitima cerca de cinco milhões de jovens no Brasil, o que gera um ciclo de malefícios em suas vidas: família pobre, contribuição precoce na renda, trabalho infantil, abandono da escola, fase adulta, sub-emprego, família pobre, contribuição precoce por parte das crianças. E continuam os malefícios. E continuam por diversas gerações. Está explícito na Constituição Brasileira que é ilegal, mas a exploração da mão-de-obra infantil continua presente em núcleos urbanos e rurais. Essa prática é utilizada, por exemplo, em muitas carvoarias brasileiras. Lá as crianças são privadas de educação, de carinho; passam horas perto de fornalhas, desenvolvem doenças respiratórias e (invisíveis à ótica individualista da nossa sociedade) são exploradas, tratadas como um instrumento de baixo custo. 
         Não se pode cair na comodidade e ignorar a existência dessa problemática. É preciso fazer da nossa voz um instrumento de denúncia. É preciso questionar, exigir mudanças, sugerir mudanças e fazer parte delas. Em relação à violência contra a criança, vizinhos e familiares não agressores devem ter acesso a eficazes redes de disque-denúncia e a sistemas amplos de assistência social. Além disso, seria de suma importância a criação de patrulhas policiais voltadas para o combate às redes de prostituição infantil e ao turismo sexual. Já em relação ao trabalho infantil, é primordial que a jurisdição brasileira adira a medidas mais rígidas - e que sejam fortemente divulgadas pela mídia - para combater esssa prática ilegal. E, por fim, é necessária a educação. Ela quebra o ciclo do sub-emprego, proporciona uma vida digna, politiza e forma cidadãos comprometidos com os rumos do país. E nós precisamos desses cidadãos, que respeitam os brasileirinhos, que preservam o "ser criança".



Um comentário:

  1. Percorremos estradas paralelas, mas que levam ao mesmo caminho, e a idênticos destinos.O seu instrumento é a PALAVRA, o meu, os pincéis, as tintas, etc.Encontramos com isso, mais um canal de comunicação com o complicado mundo exterior.No final, tudo se resume em compartilhar "sentimentos".G.Mendes.

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